Um texto escrito por alguém que eu admiro e respeito muito e que escreve de uma forma tão linda e sincera que lhe pedi para partilhar aqui.... E como ela diz -" podia ter sido escrito por outras tantas mães" - mas eu acrescento - Não desta forma, Ana! Obrigado!
(Desculpa, Gabriel Garcia Marquez, por te ter roubado um título, mas eu acho que me desculparias, se soubesses )
Eles nasceram, três filhos, cada um deles na hora certa para nascer.
Encontraram, todos eles, uma mãe diferente, porque, entre cada nascimento, a mulher, que eu era, já não era a mesma.
Senti-me, muitas vezes, roubada pela vida e fiquei mais pobre, houve risos que perdi, houve alegria que foi soterrada, houve feridas que só cicatrizaram à superfície da pele e culpei-me, porque deixei que me roubassem o que eu tinha para lhes dar e que era deles, por direito e revoltei-me, porque não se tira a uma mãe o que ela tem para dar aos seus meninos…
Quantas vezes, pintei um sorriso na cara, antes de entrar em casa, quantas vezes abracei, para que não me vissem o olhar, quantas vezes construí puzzles, enquanto os legos da minha vida se desconstruíam, quantas vezes contei histórias de encantar, quando a magia do meu tempo tinha partido para parte incerta e eu achava que ela não tinha comprado bilhete de regresso..
Mas houve também muitos dias em que as gargalhadas deles rompiam silêncios sem cor, em que as palavras mal ditas inventavam um novo sentido para as coisas, em que um sorriso de meninos desdentados afastava o nevoeiro e permitia que eu me sentisse rainha de um reino que era só meu.
Por mim e por eles, resisti muitas vezes e também por eles e contra mim, em muitas horas, me rendi, mas as contas estiveram sempre certas, nunca duvidei, nem nas horas da resistência, nem nas horas da rendição, de que era assim que a vida fazia sentido, porque eles valiam todas as penas, sempre.
Levantar-se de noite, a cambalear, porque a menina tem medo do escuro, procurar o ursinho, porque, sem ele, a menina não pode ir para a creche, encontrar a fralda de pano branco que já faz parte das mãos do menino e , sem ela, o menino não dorme, sentir um rio a inundar o rosto, porque a febre não baixa, abandonar um menino triste à porta da escola, porque o relógio de ponto não se atrasa e o comboio não espera, chegar a casa e arrumar as mochilas, , ajudar a fazer os trabalhos, preparar o jantar, e não comer, porque o cansaço matou a fome e só nos resta aguardar o silêncio de meninos a dormir, para nos podermos ouvir, perder o rumo, porque a cama está vazia e a menina está no hospital,….
Consolar o desencanto de uma nota mais baixa, tentar remendar o rasgão feito por uma professora que se enganou na profissão, limpar a dor do desengano do primeiro amor que era para sempre e durou uma estação, pôr um penso na ferida que o melhor amigo causou, tantos dias, tantos anos…tudo isto está no meu bilhete de identidade, no bilhete de identidade de tantas mães…
Nestes dias em que tive uma encruzilhada à minha frente e em que sabia que qualquer que fosse a escolha, todas as ruas seriam de sentido único, foram os rostos deles que me indicaram o caminho, porque são eles que fazem com que eu consiga encontrar o que de melhor há em mim, são eles que me pegam nas mãos e não deixam que eu me perca.
Sinto-me grata ao pai dos meus filhos,(obrigada Miguel),porque, sem ele, esta gente não teria sido possível na minha vida, é certo, poderia ter tido outros filhos, mas estes são imperdíveis.
Publico este texto, com a imagem da minha filha mais nova, porque é uma leoa e eu morria de vergonha se desistisse, à frente dela.
O caminho está escolhido, estou em paz, porque eles dão-me muito, eles dão-me tudo,nada me faltará